Um dia na vida de ‘Vai Querê’, um vendedor de mandiocas que faz sucesso em Embu das Artes
Subindo as ladeiras da cidade diariamente, mandioqueiro chama a atenção da clientela pela alegria e um grito inusitado
27 de julho de 2022
(Foto: Luita Alves/Agência Mural)

Ao ver um vendedor de mandioca passando pela rua, alunos de um escola estadual do bairro São Marcos, em Embu das Artes, na Grande São Paulo, soltam um grito: “Vai Querê?”. De fora do local, Nilton Silveira Lima, 41, responde no bom humor e no mesmo tom: “Vai querer o quê?”

A cena vista ali se repete em vários bairros da cidade por onde esse vendedor ambulante anda. Conhecido como “Niltin”, “mandioqueiro”, “mineiro” ou simplesmente “Vai Querê”, Nilton atua há quatro anos nas ruas de Embu e conquistou a simpatia dos moradores com a maneira irreverente de anunciar o produto.

Apesar de um dos apelidos ser mineiro, ele é natural de Tremedal, cidade localizada na Bahia. “Sou baiano, mas o povo me chama de mineiro porque morei um tempo em Minas Gerais, na cidade de Vargem Grande do Rio Pardo”, conta.

Ele já trabalhou como pedreiro e balconista de padaria. Mas foi nas ruas de São Paulo, como vendedor de macaxeira (outro nome dado ao alimento), que ele encontrou satisfação profissional. “Quando cheguei aqui em São Paulo conheci esse negócio de mandioca e gostei”, afirma.

“Quando comecei a vender, eu anunciava o produto: ‘olha a mandioca, olha a macaxeira’, mas de um ano pra cá saiu esse grito ‘Vai Querê?’. Aí pronto, pegou”, relembra.

O jargão não é algo aleatório e tem toda uma história que ele faz questão de contar. “Um dia uma cliente pediu dois quilos de mandioca, eu descasquei, pesei na balança e a mulher foi para dentro da casa dela buscar o dinheiro, mas demorou muito para voltar, daí eu gritei lá de fora: ‘ô senhora, vai querê?’”

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90 kg na ladeira
A rotina de trabalho de Nilton começa às 9h no depósito de mandioca, localizado no bairro Valo Verde, onde retira a mercadoria que vende nas ruas. Ele trabalha seis dias na semana, em média de 8 a 10 horas por dia.

O vendedor possui dois itinerários: um dia passa pelo Valo Verde, São Marcos e Jardim do Colégio. No outro dia vai para o Parque Pirajuçara, Jardim Nossa Senhora de Fátima, Parque Luiza e, por último, Jardim Nayara, São Luís e Perequê – bairros mais distantes e também onde ele vende mais.

Mas não é simples. Cidade de 276 mil habitantes, Embu das Artes é um município com muitas subidas, um obstáculo para carregar o carrinho com o produto. “Na ladeira eu sinto um pouco, mas já peguei o jeito, jogo todo o peso em cima da rodinha do carrinho”, confessa. Ele teme o desgaste que isso pode acarretar na saúde dele.

“Trabalho há quatro anos com isso, e pretendo trabalhar apenas mais dois por questão de saúde mesmo”, avalia. “Meu amigo Antônio Carlos trabalhou sete anos assim e hoje ele sente muito o resultado dos anos trabalhados.”

Antônio, 41, é dono do depósito e amigo do mandioqueiro. É ele quem fornece o produto para mercados, hortifrútis e restaurantes, e também para mais 10 vendedores porta a porta da cidade.

Para os restaurantes, as mandiocas são vendidas já descascadas. Esse trabalho de descascar é feito manualmente por duas funcionárias que prestam serviço para o depósito. As cascas são doadas para serem usadas como adubo.

A mandioca vem de Mogi Mirim, Arthur Nogueira e Conchal, no interior paulista, e chega no mesmo dia que é colhida na roça no local de armazenamento.

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“O nosso produto passa por avaliação de um comprador que faz o teste para saber o tempo de cozimento. Se demora para cozinhar, não serve para a gente vender na rua”, afirma Antônio.

O depósito também trabalha com outros produtos derivados da mandioca, como massa para bolo, goma de tapioca e farofa, e também fornece queijo de minas. Todos os produtos são comercializados no carrinho de Nilton.

Quem os apresentou foi a esposa de Nilton, a cabeleireira Edilene Lima, 38. Casados há 16 anos, ela também se preocupa com a saúde do marido.

“Não é qualquer um que faz um trabalho desses, ele passa por muitos lugares empurrando um carrinho pesado, muitas pessoas têm preconceito ou vergonha, mas ele faz por amor, por isso dá certo e ele tem o reconhecimento das pessoas”, declara.

Foi com o resultado desse trabalho, juntamente com o trabalho dela, que eles conseguiram construir a casa onde moram com os filhos, Amable Santos Lima, 15, e Isaque Santos Lima, 7.

Relação com a clientela
Em cada comércio que ele para, tem um conhecido ou cliente. Para ele, o segredo de fazer amigos e clientes é ser humilde e tratar todos da mesma maneira. Sem deixar de lado também a boa qualidade dos produtos que ele garante: cozinham em cinco minutos.

“Sempre compro mandioca e queijo com ele pela qualidade dos produtos, é bom mesmo, cozinha rápido. E o diferencial dele é que está sempre sorrindo. Até as crianças que saem da escola conhecem e imitam o grito dele”, aponta Jeferson Bezerra, 54, dono da loja Diaz Eletrônica.

Do outro lado da avenida, vem mais um grito “Vai Querê?”, de outro cliente e amigo chamando o vendedor. O cliente é dono da loja My Love Modas e pede um quilo de mandioca para ele, a esposa e o filho – que sai de dentro da loja gritando o jargão de Nilton, enquanto ele descasca a mandioca e coloca na balança.

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“Tenho essa balança aqui, mas é só para conferir, porque já está na minha mente. Eu descasco o quilo certinho. Faço questão de pesar a mandioca já descascada, tem pessoa que vende e pesa com a casca”, diz Nilton.

Ao final do dia, os 90 quilos de mandioca se transformam em cascas. “Se voltar cedo ainda pego mais uma caixa para vender no caminho de casa”, afirma.

Nilton sonha em crescer com o negócio. Pretende contratar pessoas para ajudar no trabalho e registrar o nome “Vai Querê“ para colocar nos produtos que vende. “Tenho certeza que o dono do cartório vai entender quando eu for registar, é só eu contar minha historia.”

Enquanto esse dia não chega, ele continua passando pelas ruas da cidade com o carrinho de mandioca, vendendo o produto a R$ 7 o quilo, com pagamento em dinheiro ou via PIX.

Encontrá-lo é fácil. É só ouvir o famoso: “Vai Querê?”.

Por Luita Alves
Jornalista, correspondente de Embu das Artes desde 2022. Amo minha família, ler, escrever e trocar ideias que sejam relevantes para mim e para todos a minha volta.

Crédito: Agência Mural
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