A pandemia do novo coronavírus deixou claro que poder lavar as mãos com água e sabão diversas vezes ao dia é um privilégio. Nas favelas, famílias inteiras dividem um ou dos cômodos e a água é escassa.
Por isso, Neide Santos, presidente fundadora do projeto Vida Corrida, no Capão Redondo, periferia na Zona Sul de São Paulo, tem feito uma grande mobilização para ajudar a comunidade na qual cresceu. Um financiamento coletivo já arrecadou mais de R$ 50 mil para dar apoio a famílias que estão sem renda e com dificuldades de comprar comida e produtos de higiene – ainda pretende levantar mais fundos.
O projeto Vida Corrida tem como objetivo mudar a vida dos jovens do Capão Redondo por meio do esporte. Atualmente, são atendias 700 famílias. Segundo o senso de 2010, mais de 275 mil pessoas vivem no local.
Com a crise gerada pelo coronavírus, muitos participantes do Vida Corrida recorreram a Neide para pedir ajuda para conseguir o básico.
“O nosso público maior aqui é de meninas e mulheres e essas mães trabalham no mercado informal, são diaristas. Não tem escola, não tem creche e elas não têm ninguém para cuidar dos filhos. As patroas não querem que elas vão trabalhar. Essas pessoas estão todas em casa”, relata Neide. Muitas dessas mulheres estão sem renda no momento, o que agrava a situação.
Neide entrou em contato com uma amiga do mundo das corridas que trabalha na área de eventos para saber se havia alguma sobra de material de higiene para ajudar as famílias do Capão Redondo. Paula Narvaez, então, juntou-se com outras amigas corredoras e criou uma campanha de financiamento coletivo para levantar fundos e ajudar Neide e a comunidade.
Com o valor arrecadado, estão sendo compradas cestas básicas, água mineral, água sanitária e produtos de higiene. Já foram distribuídas 450 cestas básicas para pessoas atendidas pelo projeto. Cada criança atendida tem direito a uma.
“De repente a gente viu o envolvimento de muita gente. A gente nunca tinha conseguido isso antes, nunca as pessoas tinham sido tão solidárias. Acho que as pessoas estão refletindo que o coronavírus não mata só pobre, como a dengue, a malária ou mesmo a fome. O coronavírus não escolhe classe social”, avaliou a presidente do Vida Corrida. “Tem pessoas que são boas e generosas por natureza, mas essa sensação de que qualquer um pode morrer, muda tudo.”
SITUAÇÃO NO CAPÃO
Neide relata que grande parte da população do Capão Redondo tem tomado cuidado e ficado em casa, na medida do possível. Por outro lado, ela relata que alguns jovens ainda vão a festas, o é proibido por lei.
Sobre a água, a presidente do Vida Corrida relata que a maior parte das casas não á caixas d’água. Assim, quando a água chega na rua, os moradores vão pegar. O problema é que, depois do meio dia, já não há mais. A água sanitária comprada pela ONG é justamente para que as pessoas possam higienizar os recipientes onde fazem a coleta pela manhã.
Dada essa situação e a necessidade de higienização, na porta da ONG já uma mangueira que fica disponível para quem precisar lavar as mãos. Quem mais usa, segundo Neide, são pessoas em situação de rua. “Eu sei que a gente vai pagar um absurdo de água depois, mas a gente precisa contribuir.”
Outra mudança observada por ela é no âmbito político. Houve panelaços contra o presidente Jair Bolsonaro: “foi a primeira vez que vi grande parte da minha comunidade protestando. Muitos votaram nele.”
A ONG VIDA CORRIDA
Neide criou o projeto há 21 anos, depois do filho dela ser assassinado em uma tentativa de assalto. “Vida é porque ele era minha vida e corrida que eu fiz minha vida inteira”, explica. Hoje com 60 anos, a fundadora da ONG corre desde os 12.
O sonho de Neide era ser atleta olímpica, mas os rumos da vida a distanciaram disso. Ainda assim, ela seguiu correndo e se tornou uma atleta amadora.
“O esporte mudou nossa realidade. E o sonho dele (o filho) era que eu fizesse isso”, conta.
Apesar de não ter realizado o sonho olímpio dela, Neide viu uma cria do projeto conseguir: Júlio Cesar Agripino, atleta paralímpico, começou a correr no Vida Corrida. Em novembro, ele conquistou um ouro para o Brasil no Mundial de Atletismo Paralímpico, em Dubai. Ele venceu a prova masculina dos 1500 metros T11, ou seja, para atletas com deficiência visual.
“Ele é uma referência para essas crianças poderem sonhar com um mundo melhor, para lembrarem que a gente pode ser o que a gente quiser”, afirma.
Hoje, Neide mora em uma Cohab, não mais na comunidade, e se considera privilegiada por isso. Ainda assim, ela segue dedicando a vida ao projeto social que fundou. “Se a gente não arregaçar as mangas e lutar pelo que acreditamos, a gente não vai conseguir ter um mundo melhor. Todo mundo pode mudar o mundo de alguém. Você tem essas oportunidades todos os dias, é só olhar pro lado”, garante.
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